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Cuidando da Cria – Programação Fetal: O que é? Por que precisamos conhecer?

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Post: Programação Fetal. Imagem destacada do post.

Programação Fetal: O que é?

O termo programação fetal é relativamente novo para a área de produção animal, no entanto, há muito tempo se estuda esse processo em seres humanos (Barker et al., 1993; Godfrey e Barker, 2001). Os primeiros trabalhos foram realizados pelo Dr. Barker, em que ele e sua equipe desenvolveram estudos epidemiológicos com filhos de mulheres que passaram por algum tipo de restrição alimentar durante a 2º Guerra Mundial e, perceberam que esses indivíduos desenvolveram mecanismos fisiológicos para se adaptarem à situação de “baixa nutrição” materna, mecanismos que influenciaram esses mesmos indivíduos ao longo de toda sua vida. Este tema pode receber várias denominações na literatura, dependendo da área de estudo e/ou especialização, sendo os mais comuns: programação fetal, programação neonatal, programação lactacional, programação metabólica e programação de desenvolvimento. Na produção animal o termo mais utilizado é programação fetal.

A partir daí, surgiram os primeiros trabalhos com programação fetal em animais (Wu et al., 2006; Du et al., 2010). De forma geral, os trabalhos mostram que a subalimentação e/ou a superalimentação de matrizes podem comprometer o crescimento fetal, alterando consideravelmente a formação dos tecidos do feto, desde os órgãos, como: fígado, coração, intestinos, testículos, ovários e glândula mamária; ou até mesmo do tecido muscular e adiposo dos animais (Wu et al., 2006), que por sua vez, poderá interferir no desempenho dos animais, nas fases de cria, recria e engorda, bem como, na fase reprodutiva.

Neste sentido, tem-se observado crescente preocupação sobre a nutrição de matrizes. No Brasil, esse assunto se torna ainda mais importante, pelo fato de grande parte do período de gestação desses animais ocorrer em momentos críticos do ano, como veremos mais abaixo (Figura 1).

No sistema de produção de bovinos de corte do Brasil, temos inicialmente a fase reprodutiva, na qual buscamos desenvolver uma estação de monta (EM) em um período curto (ideal: 90 dias), estação esta que ocorre nos meses com maior disponibilidade de alimento para as matrizes, uma vez que, é neste período que as matrizes apresentarão uma maior fertilidade. Importante salientar que, no período de gestação de 9 meses, praticamente 2/3 desse período ocorrerá dentro de uma estação do ano denominada “estação seca” (Figura 1), na qual encontraremos baixa disponibilidade de forragem para as matrizes e, com isso, possíveis limitações nutricionais para elas desempenhem bem o seu papel dentro do rebanho, dentre eles: produção de leite, crescimento fetal, entre outros.

Post: Programação Fetal. Simulação de diferentes períodos de EM e os meses que se encaixam o 1/3 médio da gestação
Figura 1: Simulação de diferentes períodos de EM e os meses que se encaixam o 1/3 médio da gestação

Observa-se que o terço médio e terço final da gestação das matrizes coincide com o período de menor disponibilidade de alimentos. Historicamente, esse momento é muito negligenciado pela maioria dos pecuaristas e, normalmente os animais são alocados nos piores pastos da propriedade. Além disso, existem outros pontos que também podem proporcionar um ambiente uterino inadequado para o crescimento e desenvolvimento do feto, são eles: novilhas que ainda se encontram em fase de crescimento e gestantes ao mesmo tempo, havendo assim uma competição por nutrientes; quando também se trabalha uma seleção de matrizes para uma maior produção de leite, levando também à competição por nutrientes e, nesse caso, entre o feto e a maior produção de leite. Situações de estresse térmico também são indesejáveis. Por último, a condição de superalimentação da matriz também não é desejável, podendo influenciar de forma negativa o crescimento e desenvolvimento do feto.

Uma vez que o objetivo é maximizar a síntese de tecido muscular, vamos entender como se dá o crescimento dos tecidos no animal. O crescimento ocorre de duas formas: a hiperplasia, que é o crescimento relacionado ao número de células e, a hipertrofia, que é o crescimento – em volume – das células musculares existentes. Para o tecido muscular, sabe-se que a hiperplasia muscular, chamada também de miogênese, ocorre somente no período pré-natal (Figura 2) com a miogênese primária e secundária, ou seja, o animal ao nascer apresentará um número de células já definidas. Com isso, após o nascimento, o animal poderá crescer somente por hipertrofia muscular. Observa-se que a hipertrofia já se inicia antes mesmo do animal nascer e continua ao longo da vida do indivíduo. De forma prática, um plano nutricional bem realizado no período de gestação da matriz, faz com que, a cria, ao nascer, apresente maior número de células musculares e, consequentemente, esse maior número de células musculares significará para o animal um maior potencial de ganho de peso durante toda sua vida, pois terá mais células disponíveis para entraram em processos de hipertrofia.

Post: Programação Fetal. Crescimento do tecido muscular e adiposo e os efeitos de uma possível restrição alimentar durante a fase pré-natal.
Figura 2. Crescimento do tecido muscular e adiposo e os efeitos de uma possível restrição alimentar durante a fase pré-natal. Adaptado de Du et al. (2010)

Da mesma forma, o tecido adiposo também apresenta as duas formas de crescimento, por hiperplasia (adipogênese) e por hipertrofia, no entanto, diferentemente do tecido muscular, a hiperplasia dos adipócitos ocorre principalmente durante o final do desenvolvimento fetal e início da vida, em bovinos (Figura 2 e 3), ou seja, o animal ao nascer apresentará o crescimento de seu tecido adiposo tanto em número de células, como também, no tamanho dessas células do adiposo. Porém, podemos observar nas figuras que o máximo do potencial adipogênico, ou seja, o maior crescimento em número de células, ocorre por volta do nascimento (pouco antes e um pouco depois), mostrando que a nutrição do feto nos 2/3 finais da gestação e da cria logo ao nascer é de extrema importância para a produção de células do tecido adiposo, células essas que sofreram hipertrofia, principalmente na fase de terminação, permitindo ao animal apresentar uma cobertura de gordura subcutânea desejável, sendo um mínimo exigido de 3 a 4 mm na altura da 12º a 13º costela, como também, uma boa gordura intramuscular, trazendo maior suculência e palatabilidade à carne e, indiretamente, permitindo uma maior “sensação” de maciez deste produto.

Post: Programação Fetal. Gráfico potencial adipogênico da concepção até o abate de bovinos
Figura 3. Potencial adipogênico da concepção até o abate de bovinos. Adaptado de Du et al. (2010)

Em um trabalho avaliando o efeito da restrição de nutrientes para vacas gestantes, foi observado que os animais oriundos de vacas sem restrição alimentar durante a gestação, ou seja, com nutrição adequada, apresentaram maior peso à desmama, maior peso ao abate, maior peso de carcaça quente e também um melhor acabamento de gordura subcutânea, mostrando que a condição nutricional da matriz permitiu às progênies um crescimento e desenvolvimento superior dos tecidos musculares e adiposo (Underwood et al., 2010). Além disso, estes autores observaram que os animais apresentaram uma carne mais macia, ponto importante na satisfação do cliente com o produto.

Do ponto de vista reprodutivo, os trabalhos têm demonstrado efeito positivo da programação fetal sobre as características dos animais, visto que, a programação fetal na nutrição pode influenciar diretamente a formação dos tecidos presentes no sistema reprodutor dos animais, os ovários e testículos. Novilhas provenientes de mães que receberam suplementação proteica ao final da gestação apresentaram peso superior antes da primeira estação de monta, bem como, durante o diagnóstico de gestação. Esse maior desenvolvimento permitiu a essas novilhas maior % de parição nos primeiros 21 dias da estação e, também, uma taxa de gestação superior na EM seguinte (Martin et al., 2007).

Fica claro então a importância da nutrição materna durante a gestação, visto seus efeitos sobre o crescimento e desenvolvimento do feto, afetando tanto o desempenho, quanto as características de carcaça das progênies, bem como, a eficiência reprodutiva das progênies fêmeas.

Lembre-se:

A base do sistema produtivo é o bezerro, sendo assim, devemos dar maior atenção às nossas matrizes, passando a vê-las com “outros olhos” e não mais como uma simples componente do sistema produtivo.

Agroceres Multimix. Nutrição Animal.

8 COMENTÁRIOS

  1. Sou consultor em pastagens e tenho interesse em conhecer mais sobre estas fazes do desenvolvimento muscular durante a faze fetal e embrionaria e apresentar um programa de melhoria das pastagens. Tenho grande admiração pela Agroceres pois esta foi a minha casa entre os anos de 85 e 87 logo que me formei.

    • Olá, Wagner!

      Programação fetal se refere à nutrição materna e, como essa nutrição pode influenciar o desenvolvimento do bezerro ainda na fase embrionária e fetal, mais propriamente dito. De forma geral, todos os 9 meses de gestação do bovino são de extrema importância para a formação do embrião e, posteriormente, o feto.

      Nos primeiros meses ocorre o que chamamos de organogênese, ou seja, o crescimento e desenvolvimento de órgãos, como: coração, intestino, fígado entre outros. Percebe-se que, uma boa formação de órgãos está diretamente relacionada à capacidade do indivíduo de metabolizar e, consequentemente, aproveitar os alimentos a ele fornecido. Nessa fase, também temos a formação do sistema reprodutor masculino e feminino, ou seja, interfere diretamente na capacidade reprodutiva destes indivíduos.

      Pensando no tocando desempenho animal (GMD) e carcaça e qualidade de carne, vamos pensar basicamente em quantidade de músculo e gordura presente na carcaça. Neste sentido, dos 9 meses de gestação o que mais impacta é o terço médio de gestação. Nele, ocorre o que chamamos de Miogênese Secundária. Miogênese é a produção de células musculares. A miogênese secundária corresponde e 75% de todas as células musculares presentes no corpo do animal, sendo os outros 25% a miogênese primária. Após o nascimento, o animal apresentará crescimento muscular somente por hipertrofia, ou seja, aumento no tamanho destas células, não mais em número de células.. Do ponto de vista prático, o animal nascer com um maior número de células irá apresentar um maior GMD ao longo de sua vida se comparado a um animal em mesmas condições e com menor número de células musculares.

      Quanto às células do tecido adiposo, aquelas que darão origem à gordura intramuscular e subcutânea muito importante na qualidade da carcaça e da carne dos animais, percebe-se que, a adipogênese tem o pico meses antes do nascimento e meses após o nascimento, ou seja, matrizes com plano alimentar adequado também no final de gestação e início que suporte a produção de leite ao bezerro estará proporcionando uma cria com maior potencial de apresentar maior gordura intramuscular e subcutânea.

      Importante saber aqui é correlacionar a EM empregada na propriedade com a nutrição das matrizes. O que normalmente ocorre é a alocação das matrizes nos pastos de piores qualidades dentro da fazenda e, isso deve ser evitado. Normalmente, quando se tem uma estação de monta, por exemplo, Dezembro, Janeiro e Fevereiro (90 dias) e, o ideal é ter animais emprenhando no início da EM, o terço médio da gestação coincidirá com os meses de Março, Abril e Maio ou Abril, Maio e Junho. Planejar um sistema onde as matrizes nesta fase esteja em condições ideais de nutrição, para que, o aporte nutricional ao feto seja o suficiente para a síntese de células musculares. Matrizes em alguma restrição alimentar poderá gerar bezerros e bezerras com problemas produtivos e reprodutivos ao longo de sua vida.

      De forma resumida é isto.
      Espero ter ajudado.

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